Rebeldes com Causa
Há algumas semanas estive na abertura do Cinefoot, festival de cinema cuja programação é dedicada ao tema futebol. Naquela noite inesquecível, ali perto do Museu do Futebol, um grupo de manifestantes (até então) pouco conhecido, protestava contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. Apesar da proximidade, só tomei conhecimento sobre o ocorrido no outro dia. Era o embrião das mobilizações que se multiplicaram Brasil afora.
Por acaso ou mera alienação (palavra recorrente em tempos de luta) não presenciei tal protesto porque enquanto meus compatriotas (outra palavra ressuscitada no terceiro dia de manifestações) lutavam pela redução na tarifa do transporte público em São Paulo, eu assistia ao documentário “Os Rebeldes do Futebol” dos franceses Gilles Perez e Gilles Rof.
Após a sessão, me senti tão revolucionário quanto os manifestantes da Av. Paulista. É impossível sair ileso após os 90 minutos de filme! O exemplo de luta dos seis personagens retratados na tela é capaz de arrebanhar o cidadão mais reacionário! Aquele que em tempo de protesto resiste bravamente no sofá, mesmo diante da convocação do jingle “Vem pra Rua” (aquele disseminado pela mídia manipuladora!).
Claro que o filme explora muito mais aspectos. Mas de forma bem sucinta posso adiantar algumas jogadas desses craques. São eles: o marfinense Didier Drogba, que convocou o seu povo às ruas para celebrar um feito esportivo em meio a uma violenta guerra civil; o chileno Carlos Caszely, que num evento oficial, simplesmente se negou a apertar a mão de Augusto Pinochet, no auge sangrento daquela ditadura; o argelino Rached Mekhjouf, que abriu mão de sua prestigiada carreira na França para lutar (através do futebol) pela independência do seu país; o bósnio Pedrag Pasic, que durante a guerra na antiga Iugoslávia permaneceu em Sarajevo ensinando crianças através do futebol. Além do saudoso Doutor Sócrates, que liderou um grupo de jogadores num exercício democrático em plena ditadura no Brasil. Todos eles apresentados pelo francês Eric Cantona, também conhecido por “não fugir da luta”, para usar um termo atual por aqui. Ele rouba a cena apresentando seus copanheiros. Aliás, ele já havia dado a sua contribuição ao cinema no ótimo filme de Ken Loach “À Procura de Eric”.
A história deles transcende o futebol e acima de tudo é exemplo de cidadãos atuantes, conscientes de seu papel na sociedade e que adotaram uma postura crítica diante de situações que precisavam de mudança. Um simples gesto pode ocasionar um impacto maior que o de uma bomba!
Não é pela rebeldia, é pelo poder do gesto!
Este documentário será exibido em cinco episódios na TV Cultura, no domingo as 17h a partir do dia 30; o primeiro episódio é o do Magrão. Vale a pena aumentar um pouquinho o índice de audiência deste canal da rede pública cuja “excelente” programação parece não atingir o grande público… “O país do swing é o país da contradição” (como canta o Lenine). Taí uma boa opção de protesto contra a mal falada “mídia manipuladora”: mude de canal!
Indignados, Escapistas ou Contentes
Parece redundante falar em rock de protesto. A história mostra que mesmo frases despretensiosas como: “i wanna hold your hand” podem virar uma ode à transgressão. A faísca da inquietação é parte fundamental do Rock’ N’ Roll.
Em sua passagem pelo Brasil, a banda americana “Cake”, dona do hit “Never There”, presenteou seus fãs com uma performance inusitada para a música “Sick of You”. O vocalista John McCrea é o responsável pelo tom irônico do repertório da banda e nesta música, costuma dividir o público (ao melhor estilo Wilson Simonal) em dois corais: os indignados e os escapistas. Provoca dizendo que os indignados são os nervosinhos do trânsito, os revoltados da internet, aqueles que acham que os outros são sempre a fonte de todos os seus males; já os escapistas são aqueles que sempre fogem dos problemas, querem sempre voar para longe. A plateia sorri amarelo e se enquadra. Ele ainda continua a provocação: “Se alguém estiver no meio, pode descer do muro e escolher um lado”.
Achei um ótimo exercício moral. Não é preciso ser especialista em Sartre para perceber que a indignação tem a ver com certo distanciamento de nossas responsabilidades… O problema é ou está sempre no outro! Assim como também não é necessário assistir a todos os filmes do Clint Eastwood para entender que coragem é uma virtude para poucos no mundo adulto. Voar para longe do problema pode garantir certa estabilidade. Eis o dilema… Que postura é mais paralisante?
Eu acrescentaria mais uma, cantada pelo Zeca Baleiro: o contente. Ele é “mais feliz do que os felizes”. Não se indigna mas também não foge. É voz atuante no coro dos contentes… “E se contenta em ser banal”.
Mani Festa Ação!
Estamos num momento histórico de inquietação popular. É muito bonito o clima de mudança, a postura crítica diante dos fatos, a política nas rodas de conversa. Mas é inevitável alguns questionamentos: será que é modismo? É passageiro ou uma tomada de consciência definitiva? Há poucos meses presenciei um manifesto contra este mesmo aumento na passagem de ônibus aqui em Jacareí. Era um sábado e as trinta pessoas que carregavam seus cartazes sequer conseguiam aglomerar quem passava por lá. O que mudou neste período que fez esses trinta se multiplicarem?
A constatação de que algo precisa ser feito para amenizar a crise, gerou uma corrida de ações populares entre os políticos, com a intenção de baixar a poeira e preservar o bom estado de suas gravatas azuis ou vermelhas (ou furta cor). Haverá um momento em que a balada universitária voltará a ser mais interessante que as ruas, e aí veremos se houve conquistas de fato.
Mas enquanto a água ainda está na fervura, podemos exercitar um pouco mais nossa indignação, olhando as coisas de uma forma mais prática e próxima do cotidiano. Qual é a nossa contribuição para o estado atual das coisas? É sempre culpa da mídia manipuladora? Do partido político, do bandido ou do corrupto? Exigimos o direito, mas não fazemos tanta questão dos nossos deveres.
E essa ridícula mania de levar vantagem em tudo? Quantos dos que foram às ruas se aproveitam daquela vaga preferencial (que não é sua) só por um minutinho? Sem contar a fila furada, o sinal de TV desviado, o “Você sabe com quem está falando?”, a desastrosa combinação bebida+volante, a propina do guarda.
E se falarmos de convivência? O que fazemos pelo outro no trânsito, em casa, no trabalho? Como tratamos as pessoas que nos servem? Quando nos preocupamos de fato com alguém, olhamos nos olhos, respeitamos seus silêncios, suas alegrias, seus defeitos? Quando praticamos o perdão? Quando somos verdadeiros?
Não tem nada a ver com esta idiotice do politicamente correto, muito menos com autoajuda barata! Autocrítica e bom senso também são revolucionários! Enquanto não nos apoderarmos de nossa interação com tudo que há de errado, não teremos outra opção, senão vagar entre indignados, escapistas ou contentes.
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