Copa 2022 – Dois favoritos e duas zebras

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As quartas de final da Copa do Catar terminaram de forma amarga para nós brasileiros, mas o torneio segue. Como nas outras vezes que saímos antes da última semana, este é o momento em que algo muito relevante precisa acontecer para manter nosso interesse.
Para as semifinais me parece que estamos num certo dilema, afinal Croácia x Marrocos seria um anticlímax futebolístico, mas de grande satisfação pela rivalidade contra argentinos e franceses. Uma final Argentina x França seria a apoteose! Um show do Coldplay numa noite de primavera! Mas, teríamos que lidar com o fato de um adversário gigante chegar ao topo do mundo e assumir o lugar que imaginamos ser só nosso. Para mim a França está neste lugar, independente do título.

Perder faz parte

Passados alguns dias da nossa desclassificação muitos já conseguem seguir suas vidas e até torcer pro Messi, outros ainda sofrem quando lembram dos requintes de crueldade daquela tarde. Para quem acompanha o futebol não apenas em época de Copa do Mundo essa sensação de frustração e impotência é recorrente. O futebol é o esporte mais imprevisível de todos, o único onde um adversário mais fraco, mesmo jogando mal, consegue vencer uma partida com um lance fortuito ou uma sucessão de acasos.
No caso da nossa seleção acho que daqui a alguns anos lembraremos com lamentação, mas há sempre o que refletir. Muitos especialistas aproveitam o momento para potencializar o clima de terra arrasada, são engenheiros de obra pronta, pois se fôssemos campeões apontariam o que deu certo como algo genial e mal falariam do que deu errado. Já fomos campeões assim, na base da genialidade dos nossos craques e tínhamos problemas como os de agora.
É evidente, eliminação após eliminação, que precisamos de um trabalho de preparação mental, amparado na ciência, com uma equipe de psicólogos do esporte. Sempre falam depois que saímos, mas nunca acontece, por quê? Lidar com o favoritismo e com o fato de que todos os times farão o jogo da vida contra nós não é algo simples, que se resolve escrevendo frases de motivação no vestiário. Outro ponto é que precisamos sair desse lugar de improviso, em que o craque resolve. Continuo achando a Croácia o pior time dos que passaram, mas contra nós eles fizeram tudo que podiam para terem chances de passar e nós não soubemos sair disso. Não é todo jogo que ser melhor tecnicamente é suficiente, tem que ter estratégia, equilíbrio emocional…
E é por isso que não faz o menor sentido usar as frases “é só futebol” ou “perder faz parte” porque banaliza o processo. Inclusive do luto que estamos vivenciando.

O melhor e o pior das quartas

Tudo bem, o jogo do Brasil foi o primeiro dessa fase e tudo depois ficou meio cinza. Mas não tem como não se empolgar com um gol como o de empate da Holanda! No último minuto do jogo, cheio de nuances da jogada ensaiada: da fração de segundos entre o toque na área ao arremate do atacante.
O que falar da comemoração dos marroquinos com suas mamães depois de realizarem o maior feito de uma Copa desde Turquia e Coreia do Sul em 2002? E o que foi mais impactante, o choro do Cristiano Ronaldo ou o Messi pistola com o artilheiro holandês?
No melhor jogo da Copa até aqui, quando Harry Kane errou a segunda cobrança de pênalti que daria o empate à Inglaterra diante da França, me solidarizei com os torcedores ingleses, afinal não mereciam a eliminação, como nós também não merecíamos um dia antes. Os compatriotas de David Beckham jogaram melhor que os discípulos de Zinédine Zidane… O futebol é injusto, invariavelmente!
A Copa do Mundo entrega tudo! Se você não concorda, procure um médico, pois há grande possibilidade de ter uma pedra de gelo no peito.

Posso, mas não devo

O professor e filósofo Mário Sérgio Cortella usa com frequência as seguintes afirmações quando fala sobre dilemas éticos: “Tem coisa que eu devo, mas não quero. Tem coisa que eu quero, mas não posso. Tem coisa que eu posso, mas não devo”.
Com as semifinais definidas sem a seleção brasileira podemos considerar um dilema ético a escolha por quem vamos torcer? É melhor que tenhamos um novo campeão ou um “novo” tricampeão? Uma seleção como Marrocos ou Croácia se sustenta no panteão dos gigantes mundiais? Messi ou Mbappé? Torcer para a Argentina é falta de caráter? Apenas para esta última eu usaria a máxima do professor Cortella: “posso, mas não devo”…

 

Andrey Cardoso é Psicólogo, idealizador do Podcast Lembrei e aficionado por Copa do Mundo.

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