
O sucesso do filme “Ainda Estou Aqui” conseguiu uma proeza que nem a seleção do Neymar fez. Não há polarização que resista ao orgulho de ser brasileiro diante do show de carisma que a Fernanda Torres tem demonstrado em suas aparições. Primeiro com a vitória no Globo de Ouro que foi comemorada como uma medalha olímpica (de ouro, afinal nosso esporte predileto é ganhar) . Depois com as indicações ao Oscar que há muitos anos não trazia esse gostinho de Copa do Mundo para a cerimônia do boneco!
Num tempo longínquo, quando ainda não tinha o hábito de acompanhar a transmissão da festa, lembro de um amigo do ensino médio me falar no intervalo que ia embora mais cedo para torcer pela vitória do filme “O Quatrilho”. Na época, iletrado, não entendi a cinefilia do meu amigo culto, achei exagerada. Mas hoje, pensei até em procurá-lo numa rede social e combinar quem leva a pipoca no próximo domingo de carnaval… “Vai se criando um clima terrível meus amigos”!
Nessa Copa do Mundo infelizmente ainda não temos a tradição dos nossos concorrentes do futebol. França e Itália já levantaram muitos canecos na nossa frente. Na disputa local, entre os sul-americanos, o Chile já ganhou e, para desespero dos patriotas, a Argentina tem muito mais tradição que a gente. Ao todo, nossos hermanos tiveram oito indicações para melhor filme internacional e ganharam duas vezes, com os excelentes “A história oficial” e “O segredo dos seus olhos”. Ambos mostraram para o mundo os efeitos devastadores do período da ditadura militar em seu país. Para os superticiosos é um sinal!
A ironia dessa “coincidência” pode ser observada justamente no último filme argentino que concorreu à estatueta, há dois anos. No ótimo “Argentina, 1985” acompanhamos a punição dos ditadores argentinos, algo que não ocorreu por aqui e que dadas tristes circunstâncias, permitiu que histórias como a da família Paiva tivessem que ser resgatadas como retratação histórica.
O filme de Walter Salles é uma resposta classuda à impunidade tupiniquim. O sucesso comercial desse filme é algo tão inusitado que destoa da forma como o Brasil enfrentou e discutiu esse tema, o que torna ainda mais especial a atuação gigante da Fernanda Torres. Sua Eunice Paiva traz o contraste de quem está ruindo em sua intimidade mas precisa projetar força e serenidade para que seu entorno não desmorone. Quem assiste não escapa da pergunta: e se fosse comigo, com a minha família?
Já o encantamento pela “Nanda” não é nada inusitado. Há anos ela nos brinda com entrevistas, crônicas e sacadas inteligentíssimas. Ela tem o que uma finada rede social chamava de humor sagaz! Mais do que isso… Fernanda Torres é uma pessoa livre desde sempre e não há experiência mais arrebatadora que presenciar alguém ser o que é em sua plenitude! Para uma mulher, é ainda mais revolucionário.
Sobre o tal “humor sagaz”, quando eu estava na terceira série, estudei com a Júlia, uma menina dois anos mais velha, toda prafrentex! Ela dava três beijinhos quando era apresentada a um menino… No auto dos meus nove anos, aquilo era deslumbrante! Ela falava do que gostava e do que não gostava! Nomeava seus “crushs” sem o menor pudor, mesmo nos matando de ciúme… Contava histórias engraçadíssimas, cheias de sagacidade. Todos eram apaixonados por ela! Como minha avó dizia: “ela tinha borogodó”!
Numa crônica do ano passado, ainda longe dessa onda de popularidade, Fernanda escreveu brilhantemente sobre seu temor do artista ter que ser garoto-propaganda de si, em tempos de “seguidores e publis”. Acho que se ela pudesse prever seu destino não temeria tanto, sua arte venceu… Seu talento foi, é e será sempre celebrado! Que venha o Oscar!
E viva Eunice Paiva! Fernanda Torres! E Fernanda Montenegro!
Ah! E também um viva para a Júlia (onde quer que ela esteja)!
Foto: Sami Drasin/ reprodução/ instagram