O algoritmo me ama

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É de manhã e resolvo dar aquela olhadinha marota no Instagram. Depois de acompanhar o story de um amigo explicando a diferença entre as cervejas Ipa e Apa e outro de uma colega de trabalho mostrando como se descasca uma laranja, ambos no melhor estilo “blogueirinho”, decido clicar num reel de 15 segundos. Vejo um cachorrinho fofo fazendo inalação… Prossigo, feed infinito: cachorro reagindo às imagens na TV; cachorro calçando um crocs e andando com naturalidade; cachorro emitindo um grunhido parecido com “I love you” e o humano extasiado com a possível declaração. Saio dos reels, volto para os posts, no alto vejo vários retângulos com imagens de vídeos. Clico em um cuja mulher de biquini está cercada de vasos de plantas, é uma demonstração de como cultivar uma vasta folhagem onde não é mais tão habitual.  Mordo a isca, deixo meu like no vídeo e abro o perfil (por puro apreço à samambaia, que fique claro!), todos os vídeos da moça têm biquini e mata vasta. Entro de novo no feed infinito, agora são vídeos curtos de mulheres de biquini: dançando, pulando, andando, virando cambalhota, mas sempre de biquini.

De volta aos posts: um carrossel de frases de coach; depois um vídeo da Folha sobre um retiro espiritual para homenzinhos enfrentarem seus traumas e angústias, tem 1.231 comentários… Clico (obviamente) e leio aproximadamente 934. O melhor dizia: “o algoritmo me odeia”! Novamente no feed, vejo um vídeo de um deputado comemorando o veto ao decreto que aumentaria a alíquota do IOF, mordo a isca de novo: chuva de vídeos de tiozão do zap zap. Volto nas postagens: botafoguenses comemorando a vitória sobre o PSG; na-na-na-na-na-na-na na-na-na na-na; vídeo do Carlos Alberto (ex-jogador, não o de Nóbrega) falando de nível técnico; vídeo de um homenzinho falando que a Copa do Mundo de Clubes é o decolonialismo do futebol. Digito “Gala” na pesquisa e clico no clipe da música que tocava quando eu era adolescente. Mordo a isca, o próximo vídeo tem o Salgadinho na banheira do Gugu…

Antes de sair da rede social, ainda dá tempo de ver um post de vendas de camisetas com frases nostálgicas e outro de um petshop vendendo crocs para cachorros.  Vejo uma foto do café da manhã de uma amiga, fico com vontade de comer sucrilhos… Não como, pois não tenho em casa, mas avalio a possibilidade de postar meu pão com ovo. Não posto! Por fim, vejo um vídeo caseiro de um cara que não conheço tocando violão igual o Gilberto Gil, fico com inveja… Avalio a possibilidade de gravar um vídeo tocando também; olho o relógio e percebo que passei uma hora e meia mordendo iscas. Me sinto um idiota e prometo que vou desativar minha conta do Instagram.

No fim da tarde repito o procedimento, mas agora dedicado a não morder as iscas. Fico rolando o feed “só” por meia hora: chupa algoritmo! Em seguida tento gravar um vídeo tocando a música do Gil, igual o cara que vi mais cedo. Na quarta tentativa desisto, não ia causar inveja em ninguém! Para amenizar a frustração posto um story com as fotos dos meus cachorros, sem crocs (achei caro).

O cantor e compositor uruguaio Jorge Drexler gravou em seu último álbum a canção “Oh algoritmo!”. O refrão é uma provocação. Numa tradução livre diz: “Quem quer que eu queira o que creio que quero”? Ao falar da música, Drexler afirmou que o algoritmo se tornou uma espécie de deidade, ao ponto de sequer percebermos sua influência nas nossas escolhas. É engraçado porque quando falamos disso, ninguém assume sua suscetibilidade, todos são bem conscientes e controlados.  Será?

Tenho a impressão que estamos vivenciando um período parecido com aquele em que o cigarro era glamourizado. O caldo só entornou quando os malefícios desse hábito viraram questão de saúde pública e o prejuízo superou o lucro. Hoje os celulares da moda são ostentados, desfrutamos nossas doses diárias de dopamina das redes sociais e não enxergamos mal nenhum nisso. Mas chegaremos no momento em que será cafona ficar horas na tela. Como é fumar (ou tomar coca-cola) hoje em dia.

Enquanto esse dia não chega, continuo rolando o feed em busca da repercussão dos times brasileiros no mundial! Sem oba-oba (aqui é curintia mano!), mas observando até onde vai essa trégua do FLAxFLU.

Estou completamente entregue ao “na-na-na-na-na-na-na na-na-na na-na”! Por ora, obrigado algoritmo!

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