Se a final da Copa do Catar fosse um filme podia ter o roteiro escrito pelo Quentin Tarantino ou pelo Billy Wilder para aqueles que preferem os clássicos. Teria muitas reviravoltas, tensão e um final imprevisível, daqueles que valem o ingresso caro.
O fato de reunir os melhores times do torneio e dois jogadores geniais já era uma boa sinopse, mas Messi e Mbappé capricharam. O argentino comandou sua equipe como fez nos jogos anteriores, dessa vez com o auxílio luxuoso de Di Maria que jogou demais até onde aguentou. Já o francês deu o ar da sua graça somente na metade do segundo tempo, mas mostrou que não existe jogador mais decisivo que ele no futebol mundial! Fazer três gols numa final de Copa do Mundo é uma marca importante. Em certo momento da partida parecia um jogo de basquete, tamanha a incerteza e possibilidades que se desenharam. Os pênaltis foram o final espetacular e épico que essa história merecia. Como numa trama de redenção do herói, o argentino Montiel que cometeu o pênalti que concedeu o empate à França, teve a chance de se redimir convertendo a última cobrança, que lhe rendeu o tão almejado título.
Tudo que acontece numa Copa do Mundo tem ares épicos e vira fato histórico, mas dessa vez não há o que contestar, sem dúvida foi a final mais emocionante de todas que vi. Teve drama, superação, feitos inéditos e muito suspense… Um roteiro digno de Oscar!
Haja coração
Não importa se você torceu ou não e por quais motivos vibrou ou se irritou com o desfecho desta Copa. Como diria nosso narrador que se despediu sem gritar o hexa, essa final foi “teste pra cardíaco meu amigo”! Mas por que tanta emoção por uma seleção rival?
O fato de esperarmos quatro anos para vivenciar uma Copa gera subjetividades únicas, cada um à sua maneira cria seus protocolos para não desperdiçar seus sentidos nesse período. Claro que vivemos uma época muito imediatista e a maioria das pessoas (sem perceber) descarta facilmente aquilo que não traz felicidade plena ou prazer imediato. Até isso esse torneio maravilhoso nos proporciona: lidar com emoções complexas e enfrentar as frustrações. Li numa postagem após o jogo que “talvez o coração saiba identificar merecimentos num campo de subjetividade que a cabeça não tem vestimenta para entrar”. Isso talvez explique porque do nada vibramos com um gol do Messi com a mesma intensidade com que comemoramos um gol do Richarlison.
Quando o Brasil foi eliminado choveu comentários de que os jogadores precisam de preparação emocional para enfrentar as adversidades dos jogos. Acho que nós, pobres torcedores, também podemos nos perceber neste processo. Como os jogos mexeram com as nossas emoções e como estamos cuidando disso… E fora da Copa, estamos bem?
Faltavam 4 minutos
O tricampeonato da Argentina ainda vai reverberar bastante nos próximos anos. Nossos especialistas gostam de um clima de terra arrasada e se um rival tem êxito é inevitável a comparação.
Já que é para comparar acho que os dois times começaram o torneio no mesmo nível, mas nossos rivais reagiram melhor à derrota na primeira rodada. Desde então a equipe só melhorou.
O Brasil por sua vez não deu esse salto. O jogo contra a Croácia era o nosso maior teste, nem tanto pela qualidade do adversário, mas pelas soluções que poderíamos encontrar para superá-lo. Tenho a impressão de que se as coisas funcionassem e tivéssemos encaixado o nosso jogo, chegaríamos prontos para superar os argentinos na semifinal. Como isso não aconteceu, receio que se tivéssemos segurado a vitória na prorrogação e feito tudo que os especialistas apontaram naqueles quatro minutos, nossa frustração viria em dobro no próximo jogo. Afinal perder para a Argentina seria muito mais traumático, não é mesmo? Os roteiristas dessa Copa sabiam bem o que estavam fazendo.
A Copa dos meias
Mais do que as estratégias dos técnicos, a variação tática e o preparo mental das equipes, entendo que essa Copa do Mundo será lembrada pelo ótimo desempenho dos jogadores de meio campo. Se observarmos as quatro melhores seleções, todas tiveram meias que fizeram a diferença: Ounahi do Marrocos, Modric da Croácia, Griezmann da França (sim ele jogou no meio-campo!) e Enzo Fernández da Argentina.
A ironia dessa história é que antes do torneio os especialistas estavam empolgados com a qualidade dos nossos pontas dribladores (atacantes). No fim, fez falta um meia como o Kléberson de 2002.
Obrigado!
Ainda não sei do que sentirei mais falta nos próximos dias, quando acaba uma Copa é imediata a sensação de ficar órfão. Como viver sem os jogos do meio-dia? Como não sentir falta dos 367 programas repercutindo quem é favorito no próximo jogo ou qual o motivo do Cristiano Ronaldo ter ido para o banco de reservas? Não há o que fazer a não ser esperar mais quatro anos…
De qualquer forma, obrigado por tudo Copa, até 2026!
Andrey Cardoso é Psicólogo, idealizador do Podcast Lembrei e aficionado por Copa do Mundo.