
Assistir a séries é um hábito contemporâneo quase definitivo. Experimente chegar no seu trabalho ou na roda de amigos sem saber ao menos do que se trata a última série do momento e entenderá o que é sentir-se excluído. O contrário também é válido: diga-me a série que tu vês e te direi quem és.
Confesso que não sou bom nisso, deixo muito a desejar na arte de assistir séries porque não tenho constância! Ainda assim, fico muito feliz quando recebo indicações com a premissa de que vou gostar (sinto o mesmo quando lembram de mim porque ouviram Djavan), porém a maratona para “assuntar depois” depende de muitas variáveis.
Há algum tempo me indicaram “This is us”. Considerando a empolgação de quem me indicou, a repercussão à época e a conjunção de Vênus com Marte, dei uma chance… E valeu muito a pena! Uma série bonita, sensível, com muitas nuances. Me deu aquele orgulho por acharem que eu ia gostar e passei a admirar ainda mais quem me indicou, mas… Não vi inteira. É linda, porém tem 984 episódios (é uma hipérbole, não me corrija)!
Entrou na lista de tarefas para cumprir antes de morrer.
E foi com esse espírito que encarei o desafio de “maratonar” a série do momento: Adolescência! Dessa vez ninguém me indicou, mas nem precisava. Além do algoritmo, o meu velho hábito de ler jornais me influenciou; achei que quatro episódios de 50 minutos eram uma meta palpável e, na segunda-feira, quando “todas” as pessoas quem convivo comentaram sobre a série, fui tomado por uma sensação de pertencimento que nem o título do Corinthians dias depois foi capaz de me dar. Mas isso é outra história…
A série “Adolescência” levanta muitas questões que nos fazem pensar. Talvez a principal delas seja a motivação que leva um jovem de 13 anos a cometer um ato de violência extrema contra uma colega. Parte da repercussão se dedica a apontar quem são os culpados dessa tragédia. Parece que a ideia de causa e efeito faz muito sentido no imaginário dos adultos que estão assistindo e, como consequência, vem um medo quase coletivo de não cumprir o que a sociedade espera de “pais exemplares”. Mas, entre tantas simbologias e questões em aberto que a obra apresenta, fiquei preso na ideia do quanto os efeitos do período da adolescência ainda refletem na vida adulta.
Muito se fala sobre o ambiente em que Jamie estava inserido, sobre machismo e misoginia; se questiona o papel da família, das escolas e das autoridades nesse contexto, mas o que me chamou mais a atenção foi a forma realista como os adultos são retratados, principalmente no segundo episódio. Perdidos, sem saber como e o que fazer, porém tentando dar o seu melhor. Por isso, a ideia de causa e efeito me parece equivocada. Diante da complexidade da vida, muitas vezes nos deparamos com contingências que não nos permitem ir além das possibilidades humanas. Mas a cobrança por desempenho e “performance” nos leva a crer que podemos sim. Daí aquele festival de adultos funcionais, porém perdidos.
Adoramos o tema “popularidade na adolescência” porque ainda somos afetados por ele, ou melhor, ser popular continua sendo um objetivo, mesmo após a adolescência. Lá por volta dos 13 anos, quando ainda estamos em formação física e emocional, a dor de uma rejeição é tão profunda que faz com que tenhamos muita necessidade de conexão. Basta lembrar como era se sentir excluído do grupo mais descolado na escola, no quanto tentávamos nos adequar às regras e fazer o que achávamos que esperavam de nós.
Na vida adulta, a inabilidade de lidar com o sentimento de rejeição também nos coloca nessa busca incansável por popularidade e aceitação. Se não nos percebemos, tendemos a cometer os mesmos comportamentos da adolescência, da impulsividade à adequação. As redes sociais potencializam esse desejo de pertencimento; superestimamos a felicidade e o estilo de vida de quem é influente, projetando quase que automaticamente como modelo ideal.
Lembro de uma ida ao médico em que tive que esperar um pouco mais que o previsto, pois o doutor estava com os atendimentos atrasados. Na sala de espera havia uma jovem adulta com seu filho e lá pelas tantas o menino a alertou que teriam que ir embora para não atrasar sua ida à escola. A mãe respondeu que não perderia a consulta e que o menino poderia faltar. Ele ficou agitado, dizendo que não perderia a aula “mais uma vez”, e a cena se amplificou numa discussão sobre responsabilidades e deveres. Em dado momento, tive a leve sensação de que a criança era a adulta da relação…
O sucesso de “Adolescência” também se dá pela escolha estética dos seus realizadores. Contar aquela história em plano sequência permite ao espectador experimentar as perspectivas dos personagens. É quase impossível não se colocar no lugar do pai, do policial, do menino… Sentir e avaliar a situação dos personagens, como também as próprias. O tempo de reflexão que essa escolha permite impede aquele ímpeto de pegar o celular para conferir quantas curtidas temos no último story que publicamos. É bom que uma série permita tempo e oportunidade de reflexão, é usar o sistema contra o próprio sistema.
Ser adulto diante de tantas demandas complexas é desafiador e, assim como na adolescência, talvez essa busca incessante por ser querido só amenize por meio das conexões profundas. Para os adultos que se impressionaram com a contingência que os pais do Jamie tiveram (seja por medo ou culpa), é importante que encarem o desafio de ter intimidade com seus filhos. Não há garantias, mas pode ser um alento. O afeto sempre será uma ótima escolha!
Artigo muito bem esclarecedor. Como pai de dois filhos concordo que desenvolver uma intimidade e uma cumplicidade com eles, se torna uma grande ferramenta para evitarmos surpresas de comportamentos.