
Dentre as inúmeras manifestações da estupidez humana, a que mais me surpreende é aquela que coloca outras pessoas em risco. Quando o risco é somente contra o autor da proeza, como voar sem instrumentos amarrado a uma cadeira suspensa por mil balões ou levar uma pessoa morta ao banco para obter benefícios, confesso que não me sensibilizo tanto. Agora, se o ato inconsequente envolve pessoas ou animais inocentes, a coisa começa a mudar de tom.
Outro dia vi um sujeito com dois cachorros pequenos numa avenida movimentada, soltando a guia de ambos. Por sorte, os animais pareciam ter mais bom senso que seu tutor. Imediatamente, eles pararam onde estavam, como se fosse um protesto contra a imbecilidade… Só continuaram a marcha quando o sabichão retomou as guias nas mãos.
E o que dizer a respeito de um treinador de futebol, que diante do adversário mais difícil do campeonato, cuja maior arma é ter seus melhores jogadores no meio de campo, decide esvaziar exatamente este setor do seu time para reforçar o ataque? Sua justificativa foi que precisava de mais alegria nas pernas! Se fosse o técnico de um adversário, eu nem ligaria, mas essa ação gerou um trauma em quase duzentos milhões de brasileiros… “Virou passeio, meus amigos!”
As demonstrações de falta de sensatez são abundantes e estão presentes em todas as áreas das nossas vidas, mas você, raro leitor, já se perguntou por que elas são tão comuns?
Em 1995, um cidadão norte-americano de quarenta e poucos anos decidiu assaltar dois bancos de sua cidade. A parte inusitada da história é que, em nenhum momento, ele tentou esconder seu rosto das pessoas e das câmeras de segurança do local. Com isso, a polícia rapidamente chegou até o criminoso que, ao ser preso, gritava em alto e bom som: “mas eu usei o suco! Eu usei o suco! McArthur Wheeler havia cometido os assaltos com o rosto coberto de suco de limão, acreditando que isso o tornaria invisível para as câmeras. Sua brilhante ideia nasceu da constatação de que o suco de limão funciona como uma tinta invisível quando usado num pedaço de papel.
O professor e psicólogo David Dunning leu essa história num daqueles almanaques cheios de fatos e estatísticas (Enzos e Valentinas, deem um Google) e ficou curioso para entender o que leva uma pessoa a ter uma noção tão equivocada em relação a algo. Foi aí que ele convocou seu melhor aluno da graduação, o Justin Kruger, e fez esse estudo sobre, digamos, a idiotice humana. A pesquisa incluía experimentos em que colocavam pessoas para fazer algumas tarefas e, quando terminavam, antes de saber o resultado do teste, pediam para elas se autoavaliarem. As tarefas incluíam temas como lógica e gramática. Entre os participantes havia os que eram mais entendidos, mas também tinha aqueles que não sabiam nada daquilo. O resultado foi que, quanto menor era a nota do teste, maior era a avaliação do seu autor. Boa parte das pessoas olhava para a tarefa e achava fácil, depois considerava que tinha se saído melhor do que a realidade. Ou seja, pessoas com baixa habilidade em uma tarefa tendem, paradoxalmente, a se superestimar. Além disso, o estudo também mostrou que se uma pessoa não entende de um assunto, não é capaz de atribuir valor a ele. Se eu não entendo nada de marketing digital, acho que para fazer isso basta criar uma arte no Canva e postar nas redes sociais.
O contrário também ocorreu. Aqueles que tinham maior habilidade ou noção daquela tarefa, responderam que seu resultado seria pior do que de fato ocorreu. Dizem que essa é a base para a síndrome do impostor. Quanto mais sabemos de algo, mais temos noção do quanto precisamos aprender ou estudar mais sobre o assunto.
Ouvi recentemente uma música que tem uma frase sensacional: “o erro do errado é achar que faz tudo direito”. A letra fala de questões atuais de relacionamentos, mas rapidamente identifiquei ali o efeito Dunning-Kruger! De onde eu menos esperava.
Somos levados por esse viés cognitivo a todo momento. Basta perguntar para um motorista como ele avalia seu comportamento na direção. Se for homenzinho, 100% vai responder que dirige tão bem como um piloto de Fórmula 1. Mas aí, basta sairmos de casa para “enfrentar” o trânsito em qualquer dia e horário… É tanta barbaridade! A conta não fecha!
O podcast “Boa Noite Internet” tem um episódio sensacional sobre esse tema. Nele, o Cris Dias afirma que nos achamos mais espertos do que a média, mesmo em coisas que não estamos acima da média; também diz que a primeira regra do Clube Dunning-Kruger é que não sabemos que estamos no Clube Dunning-Kruger. Se você, raro leitor, não sabia, seja bem-vindo!
E enquanto você lia esse superestimado texto, saiu mais um gol da Alemanha!