Simplesmente sofisticado

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lenine

Apesar de ter gravado um disco no começo dos anos 1980, Lenine só despontou no mercado fonográfico brasileiro no meio dos anos 1990, num período em que a tríade Pagode, Axé e Sertanejo dominava a nossa cena musical. Apesar disso, havia uma renovação da chamada “MPB” e junto com Lenine, artistas como Zélia Duncan, Chico César, Zeca Baleiro e Paulinho Moska deram uma revigorada num cenário que ainda dependia do prestígio de ícones da década de 1960.

Na época tentavam rotulá-los, principalmente após se apresentarem juntos. Eram chamados de Pós-Tropicalistas, Neotropicália, Nova MPB, e tudo que soasse moderninho… Rapidamente todos se declararam “não rotuláveis” e “sem estilo definido”, algo que se comprovou ao longo de suas carreiras.

Vi (e ouvi) o Lenine pela primeira vez no clássico programa “Ensaio” da TV Cultura, numa apresentação intimista, voz e violão apenas. Era impressionante! O jeito que tocava o violão, de forma percussiva, quase sem fazer acordes em canções muito sofisticadas! Além da maneira singular como se expressava, às vezes um pouco formal, usando um “salutar” no lugar de “saudável”, “sapiência” no lugar de “sabedoria”. No auge dos meus 17 anos, a brincadeira entre amigos que faziam seus primeiros acordes no violão era tentar imitar a “pegada” do Lenine! Obviamente muito longe de conseguir!

Quando a internet ainda engatinhava e era para poucos, o maior recurso que tínhamos para tocar as músicas que gostávamos eram as edições de revistas que comprávamos na banca. Claro, que as músicas do nosso ídolo pernambucano não eram para o nosso nível, aliás, qualquer uma, com mais de seis acordes já complicava. Até que um dia vi alguém tocar uma música inteira “leninesca” usando apenas dois acordes e uma mão direita espertinha… Simples assim! A “técnica” funcionou para outras que tinham o mesmo tom, o que aumentou o repertório para três ou quatro… Só não dava para tocar em sequência, afinal dez minutos alternando apenas duas notas não agrada nem aquele tio bêbado no final do churrasco de domingo.

De lá para cá, acompanho a carreira do Lenine com a mesma admiração e curiosidade. Em seu novo disco “Carbono”, mantém as misturas de ritmos brasileiros ao rock, aliadas a letras inspiradíssimas. Dentre elas está “Simples Assim”, parceria com Dudu Falcão, que promete repetir a tradição em seu repertório de baladas clássicas como “Paciência”, “Silêncio das Estrelas” e “É o que me Interessa”.

“Simples Assim” é quase uma metalinguagem. Uma canção que fala sobre a procura por simplificar a vida e que tem uma estrutura simples e direta, um feito inusitado para um artista sofisticado em sua essência.

Onde a tendência é sempre valorizar o virtuoso (e isso não só na música), simplificar as coisas muitas vezes pode ser a escolha mais eficiente… Chet Baker, João Gilberto, Nick Drake, Paulinho da Viola e Jorge Drexler não soltariam suas vozes se não escolhessem o caminho da simplicidade. A maior dificuldade de pegar esta trilha, talvez seja o desprendimento que a simplicidade exige, algo extremamente complicado em tempos de “excelência”.

Agora finalmente conseguirei tocar uma música com a mesma “pegada” do Lenine. E melhor, desta vez não fui eu quem precisou simplificar seus métodos! “Pra quê complicação, é simples assim”.

email: [email protected]

 

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